Todos nós sabemos muito bem que usar um telefone celular enquanto se dirige pode ser uma atitude bastante arriscada. Ainda assim, uma parcela expressiva da população insiste em atender chamadas, digitar mensagens nas redes sociais ou ler notícias de algum site em particular. Insistir na imprudência, apesar do conhecimento, tem uma explicação bastante óbvia: a maioria das ações que fazemos enquanto guiamos tornou-se bastante automática. Ou seja, diminuir a velocidade quando nos aproximamos de um semáforo, olhar periodicamente os espelhos retrovisores, não sair da faixa de rolamento, ficar atento aos limites, são tarefas normais que, felizmente, nos asseguram um guiar cauteloso. Como nada de ruim nos acontece, temos a falsa impressão de que estamos seguros para adicionar outras atividades à nossa condução.
Assim, é nesse momento que ligamos o rádio, procuramos nossos óculos escuros e, sem dúvida alguma, damos uma olhada no celular. Embora alguns autores insistam na ideia de que nossa mente é “multitarefa” –ou seja, que nosso cérebro estaria apto a um tipo de operação mental simultânea, o que é totalmente falso–,quando necessitamos executar duas ou mais tarefas, nossa atenção começa a ser prejudicada e, para dar conta das várias atividades que estamos realizando, começa a destinar pouco tempo a cada ação. Dessa forma é que nossa atenção começa a “saltar” de um estímulo para outro, fazendo com que possamos experimentar um tipo de cegueira atencional em função de mudança rápida de foco.
Nesse momento, não percebemos que nosso cérebro está sendo muito solicitado e, portanto, algumas das atividades começam a ser colocadas em segundo plano, deixando de receber a atenção necessária. É por essa razão que, muitas vezes, quando estamos ao celular, não conseguimos perceber a mudança repentina do semáforo adiante ou, ainda, falhamos da observação do carro à frente que está freando. Prestar atenção ao trajeto se tornou, naquele segundo, secundário.
Com alguns segundos sendo perdidos em cada mudança de ação que nossa mente realiza, uma dose de desatenção vai se acumulando ao fazer com que o risco de acidentes cresça de maneira exponencial. Vamos lembrar que, muitas vezes, necessitamos de ações imediatas e pontuais (e sem margem de erro) para lidar com algum imprevisto no trânsito, como, por exemplo, frear bruscamente para aquela criança que atravessa repentinamente a rua.
Como os estímulos que são oferecidos ao cérebro são pareados e disputam nossa atenção, muitas vezes, curtir a foto de alguém no Instagram se torna mais necessário do que olhar para o trajeto à frente, criando assim uma carga adicional mental, impedindo ações seguras. Dois segundos sem olhar o trajeto, digamos, a uma velocidade de 60 quilômetros por hora, na verdade, representam 34 metros percorridos pelo carro de maneira completamente cega. Nesse momento, sabemos exatamente o que pode acontecer.
Embora as funções pareçam bem semelhantes, na verdade, há algumas coisas bem distintas. Veja só: Quando estamos mastigando um chiclete ou conversando com alguém ao nosso lado, tais atividades não demandam muita atenção do cérebro, uma vez que ele ainda consegue permanecer alerta para, eventualmente, reagir de maneira apropriada a um animal, que cruza a via, por exemplo, ou algum carro que subitamente sai do acostamento e entra na nossa frente.
Além do mais, quando estamos acompanhados, o próprio carona, ao observar momentos de risco, muitas vezes, ou para de falar ou ainda instintivamente nos auxilia no manejo da situação inesperada. O que não acontece, por exemplo, com alguém que está do outro lado da linha e que não interrompe ou modula a sua ação ao sabor dos acontecimentos. Recentes pesquisas de ressonância magnética do cérebro revelaram imagens de que o ato de dirigir requer do cérebro a ativação de funções visuais, auditivas, manuais e cognitivas. Um estudo conduzido pela Universidade Carnegie Mellon (EUA) colocou participantes para guiarem em um simulador e, ao mesmo tempo, tinham que avaliar se algumas frases que eram expostas seriam verdadeiras ou falsas. Os resultados da investigação mostraram que ao ouvir conteúdos que demandavam alguma atenção –exatamente o que ocorre quando falamos ao celular–,diminuiu em 37% as atividades do lobo parietal, região associada com o ato de dirigir.
Em outras palavras, percebeu-se que guiar e prestar atenção a algo externo fez diminuir algumas funções de processamento espacial do cérebro, drenando assim parte importante da energia vital que seria necessária para uma correta condução veicular. Como o estudo não envolveu uma direção real, mas sim simulada, os autores sugerem cautela na interpretação dos resultados. Entretanto, as coisas não pararam por aí.
E tem mais: o mesmo estudo descobriu que, durante o experimento, o lobo occipital –região que processa as informações visuais–,também registrou uma queda significativa de suas funções, o que explicaria a dificuldade de nos mantermos, por exemplo, dentro dos limites da faixa de rolamento quando estamos ao telefone. Conclusões da pesquisa: nosso cérebro possui uma capacidade biológica atencional que é limitada e, portanto, sobrecarregá-la pode gerar algumas consequências.
Como é de se supor, o sentido da visão é considerado o mais importante para um guiar seguro. Assim sendo, muitos motoristas acreditam que poderiam, então, diminuir os efeitos dos riscos do celular ao volante utilizando os dispositivos de viva-voz e, assim, poderem dirigir de maneira mais adequada, além de, obviamente, fugirem das penalidades previstas na lei. A má notícia é a de que pesquisas indicam para o fato de que usar esses dispositivos permite que o cérebro continue a enxergar os obstáculos à frente –até aqui estaria tudo bem. Entretanto, ainda que possamos estar enxergando esses estímulos, a simultaneidade com a fala ao telefone, faz com que não possamos vê-los. Dessa forma, a redução desta amplitude visual pode diminuir em até 50% a percepção dos estímulos visuais provenientes do meio ambiente e, assim, comprometer a capacidade mental de responder as situações inesperadas.
A distração envolvida na conversa, portanto, contribui para a diminuição da atenção dos estímulos visuais e, parte do que é visto, na verdade, não fica registrado pelo cérebro humano. Dessa forma, ainda que estejamos olhando pela janela do carro enquanto guiamos, não estamos, necessariamente, enxergando o que ocorre a nossa volta. Resumindo, as coisas “estão lá”, mas não as vemos.
Enquanto acreditarmos que estamos sãos e salvos usando celulares ao volante, talvez as estatísticas continuem a aumentar de maneira expressiva por pura falta de informação. No Brasil, o uso do celular já figura entre as maiores causas de acidentes automobilísticos. Dados de 2015 já apontavam que 80% dos motoristas no Brasil admitem que utilizam o aparelho ou outras tecnologias que geram distração enquanto dirigem. Ao usarmos o celular durante um trajeto de carro, estamos, na verdade, assumindo um risco intencional. Lembre-se disso.
Autoria: CT/PORTAL DO TRÂNSITO