Por ironia do destino, foi na Rua da Tranquilidade, na Boca do Rio, onde fica a 9ª Delegacia, que a suposta jurista Cátia Regina Raulino deu seu depoimento para os processos em que é acusada, de suposto plágio e exercício ilegal ou irregular da advocacia. Agora, será investigada também por estelionato depois que uma das vítimas a acusou por esse crime.
O estelionato acontece quando alguém tenta obter vantagem ilícita e causar prejuízo a outra pessoa, usando de alguma artimanha para tentar enganá-la ou levá-la a erro. Neste âmbito, a pena pode variar de um a cinco anos de prisão, dependendo da gravidade do caso, além de multa estabelecida pelo juiz.
Na oitiva, que começou antes das 10h da manhã, Cátia foi ouvida pelo delegado titular da unidade, Antônio Carlos Magalhães Santos, e estava acompanhada de seu advogado, o criminalista Fabiano Pimentel. Os dois só saíram da sala às 12h30, sem falar com a imprensa.
A agonia do lado de fora da delegacia começou logo no meio da manhã quando os jornalistas esperavam notícias sobre o depoimento da acusada. Quando ela saiu da sala, um carro já a aguardava do lado de fora, onde ela entrou com o defensor. Durante esse percurso, curiosos inconformados gritavam na rua “Irresponsável!”, “Volte para casa!”.
Após o interrogatório, o delegado afirmou que Cátia não apresentou nenhuma prova documental que comprovasse a carteira da OAB ou os diplomas que ela diz ter: graduação em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), mestrado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e doutorado em Administração pela Universidade Federal da Bahia (Ufba).
Procuradas na primeira reportagem que o CORREIO fez sobre o assunto, todas as instituições negaram haver qualquer diploma ou registro dela no histórico acadêmico, assim como a OAB Bahia. Os advogados dela alegam ter os documentos, mas que Cátia encontrou dificuldade de obtê-los por conta da pandemia. Por isso, ela pediu um prazo de cinco dias para entregar as certificações à delegacia.
A defesa diz ainda que a carteira da OAB seria de outro estado, mas não informaram qual seria. Procuradas, nem a OAB do Maranhão nem a de Santa Catarina encontraram a credencial. A busca pelo Cadastro Nacional de Advogados (CNA) também não dá resultados de pesquisa.
“O fato de você me dizer que é ou não, não quer dizer nada, você tem que me apresentar seu diploma. Ela fala que tem algumas titulações, mas não apresentou, nesse momento, as que a gente pediu. Vou esperar que ela me traga porque a delegacia não pode se limitar ao que as pessoas falam. O trabalho da gente é investigar e nós vamos oficiar à todas as instituições de ensino para que a gente possa realmente elucidar a verdade dos fatos”, explicou o delegado ACM Santos.
Em relação ao exercício irregular ou ilegal da advocacia, Cátia nega ter afirmado que atuou como advogada, segundo Santos.
“Ela alega que em momento algum disse que exerceu a atividade de advocacia, mas pelo próprio Instagram da mesma e em outras publicações, isso não condiz com a verdade”, comentou o delegado.
Cátia argumentou ainda, durante o interrogatório, que é mentira que ela tenha cometido plágio com as alunas da faculdade UniRuy, onde ela chegou a ser coordenadora do curso de Direito e professora das matérias de Direito Tributário e Empresarial. Ela teria tido a autorização das estudantes para publicar os trabalhos, algo que era um procedimento da própria instituição.
No entanto, as denunciantes Lorena Galvão e Solimar Musse disseram que em nenhum momento autorizaram que os trabalhos de conclusão de curso fossem publicados, muito menos sem os nomes delas. Além disso, o suposto plágio, no caso de Solimar, foi feito com o nome somente de Cátia, sem qualquer menção à aluna. Já Lorena teria sido plagiada duas vezes. Na primeira, Cátia se colocou como co-autora do TCC em um livro da UniRuy, quando na verdade era somente orientadora, e a segunda vez foi sem o nome da aluna, em um livro do CAED-Jus (Conselho Internacional de Altos Estudos em Direito).
“Se ela tivesse falado comigo antes que queria publicar meu artigo, não teria problema nenhum. Seria um prazer, uma honra até. Não teria necessidade de tudo isso. Mas deu para perceber que ela é uma pessoa mau caráter e que já tinha feito isso muitas vezes”, disse a advogada Solimar Musse, que estava na delegacia nesta manhã para prestar seu depoimento. Ele foi remarcado para a tarde, a pedido da Solimar, que não quis encontrar a antiga professora.
Em relação às aulas que foram ministradas pela professora, a ex-aluna de Cátia Raulino afirmou que elas eram rasas. “Existem bons professores, professores maravilhosos e existem os medianos. Ela cumpriu com a ementa, mas eram aulas mais rasas. Eram mais esquemas e ela sempre terminava 30 minutos antes. Véspera de feriado ela não dava aula”, afirmou Solimar. Contudo, a respeito da atuação de Cátia como coordenadora do curso de Direito, a ex-alune disse que não tem do que se queixar: “Sempre foi muito solícita em resolver os problemas da gente”.
Novas denúncias
Desde da reportagem na semana passada, dois novos alunos, também da UniRuy, entraram com um processo no Ministério Público da Bahia (MP-BA) contra Cátia acusando-a de plágio. Eles foram procurados pelo CORREIO nessa quarta-feira, mas querem aguardar os próximos passos da investigação para se pronunciarem. Eles não foram orientados por Cátia, como aconteceu com Lorena e Solimar, mas a suposta jurista teria plagiado o TCC deles. Ao todo, Cátia responde a seis processos na Justiça, dois por exercício ilegal e irregular da profissão e quatro por plágio.
Até o momento, três vítimas foram contactadas pela 9ª Delegacia. O delegado já ouviu Lorena Galvão e falou com Solimar Musse na tarde dessa quarta.
Veja abaixo o posicionamento da defesa de Cátia Raulino à imprensa:
NOTA POSICIONAMENTO
"Catia Raulino se apresentou hoje (26/08), espontaneamente, ao Delegado Titular da 9a Delegacia de Salvador e respondeu às perguntas da autoridade policial, além de informar que está reunindo os documentos comprobatórios do seu depoimento e que serão entregues no prazo estabelecido.
O advogado de defesa Fabiano Pimentel afirma que os fatos serão esclarecidos e que Catia está à disposição da Justiça para prestar todas as informações necessárias".
*Sob orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro
Autoria: CORREIO DA BAHIA